A TENDA DE JABAL
NO DIA SEGUINTE, logo cedo, ele despertou depois de um sonho atribulado, e esse sono não bastou para que as suas forças fossem reparadas. Acordou tenso, nervoso, preocupado, algo lhe dizia que eles não deveriam ir àquela colheita, e passou com receio o olhar pela sua “tenda”, como costumava chamá-la de forma pejorativa, uma vez que habitar em tendas não passava de uma memória nostálgica esmaecida e um símbolo de austeridade pura dos tempos antigos. Já nessa época a casa era o centro em volta do qual a vida se desenvolvia, embora o povo não ficasse muito dentro dela, exceto no inverno. Além disso, o pátio ou o jardim formavam parte da habitação, e era o lugar mais agradável, onde as pessoas gostavam de receber os amigos.
A habitação de Shlomo não era nem ampla nem esplêndida. Era do tipo rudimentar, um cubo caiado com poucas aberturas, talvez nenhuma exceto a porta, e um único cômodo dentro, dividido em dois, metade para os animais, metade para a família. Embora houvesse naquela aldeia pessoas em piores situações do que ele, Shlomo insistia em chamá-la de “A Tenda de Jabal”.
- Uma residência bem melhor seria uma construída ao redor de um pátio central com pequenos cômodos abrindo para ele – exclamou com esforço; tornou a fechar os olhos e virou-se de cara para a parede. Depois de um momento de reflexão, abre os olhos. – Sim, bastariam algumas vigas curtas para o teto e minha casa pareceria de fato UMA CASA, e não esse armazém de pêlos de cabra... – gritava e, torcendo as mãos, apontava para o teto. O teto era muito importante na vida diária. Era um telhado plano, com suficiente inclinação para levar a água da chuva até as sarjetas, e cercado com um parapeito para que ninguém caísse lá de cima. Havia uma escada que levava até o teto, geralmente do lado de fora da casa. Guardava ali suas ferramentas e estendia ali sua roupa para secar.
Ele se ergueu e sentou-se, mas sem dizer nada passou um tempo com os olhos fixos no chão.
- Piso de barro batido. Piso de barro batido... – balbuciou ele debilmente. - Enquanto essa tenda de Jabal cai aos pedaços aquelas casas (dos ricos) são feitas de pedra. De pedrinhas não. DE PEDRA CALCÁRIA – gritava de repente Shlomo furioso! – Quem me dera ter um alicerce sólido e paredes grossas assim! É possível até que minha pedra fundamental recebesse uma bênção sacerdotal. A quem diga até que eles mandam enfiar cunhas de madeira nas rachaduras das pedras brutas e que depois as molham para que elas inchem e sejam retiradas com maior facilidade. Aí eu já não sei. – Exclamou em tom cortante e depreciativo.
Ele tornou a inclinar-se um pouco, olhando com pena novamente para as paredes.
– Minha velha tenda se resume a duas paredes finas feitas de seixos e tijolos, com o espaço entre elas enchido com pedregulho, barro amassado e olhe lá... Não sei nem se os alicerces dela foram bem cavados. – Já pensara nisso, preocupava-o, sobretudo uma questão: E se os ventos e a chuva combaterem contra a minha casa? Se muito, usaram aqui uma argamassa de barro temperado, misturado com conchas e pedaços de louça moída e depois no máximo as branquearam com a cal.
Novamente fixa os olhos no chão.
- Piso de barro batido. Piso de barro batido... Meu chão não passa de terra batida, o dos ricos, de seixos ou lajotas de argila cozida. ARGILA COZIDA! – Resmungando, põe-se de pé, e sem a menor intenção, seu braço estendido rompe parte do telhado. –Não acredito! Meu telhado é tão fino que um buraco pode ser aberto nele num momento. Que estupidez – disse – não vale a pena pensar nisso, é tudo ilusão, é como correr atrás do vento!
-Ah, que pena! – exclamou, abanando a cabeça. - Quantos siclos, minas ou talentos eu precisaria para edificar uma casa de verdade? Que tivesse ao menos uns vinte quartos ao redor do pátio central? Eu sei lá! – resmungou o rapaz, tornando a agitar as mãos.
Então, ele abriu os olhos de repente, olhou atentamente, como se começasse a compreender alguma coisa e dirigiu-se outra vez para o mesmo lado da casa. “Mas ela iria ficar perfeita” pensou, com um estranho sorriso.
- Sim! Ela ficaria perfeita... Que bela oportunidade temos aqui! - Resmungou, de pé e girando em círculos - Com alguns quartos em plano mais elevado, servidos por degraus e ligados ao pátio por alguma galeria... E no canto do pátio um jasmineiro perfumado... Lindos cercados ajardinados envolta da construção, com lençóis de águas claras e fontes... Aí quando anoitecesse sentaria nesse magnífico terraço, seria meu paraíso terreno, todo iluminado no alto com lanternas, um verdadeiro cenáculo, e quem sabe diante de tal rara beleza, até falasse com Deus, ou usasse o local apenas para tomar um ar fresco e me refrescar. ME REFRESCAR... Quantos siclos, minas ou talentos seria preciso para ter uma piscina, ou melhor, um lago só para mim?... – Divagava com a mente já repleta de delírios ambiciosos.
Na árida região as casas se concentravam necessariamente ao redor das poucas fontes e poços. De fato, a maioria do povo era composta de camponeses que viviam em vilarejos muito pequenos, espalhados nos pontos onde a presença de água lhes permitia apenas sobreviver.
O planejamento era rudimentar, principalmente nas cidades genuinamente nativas, o que era o caso de sua cidade natal, construída no ponto em que as montanhas descem até a planície marítima, as ruas formavam um padrão irregular com largas áreas entre elas, cada uma contendo um labirinto confuso de pequenas casas e pátios. Suas casas eram feitas muitas vezes aproveitando parcialmente as cavernas naturais da região e construídas contra a superfície da rocha calcária, escavada natural ou artificialmente. A massa do povo, os pobres camponeses, construíam de taipa ou na melhor das hipóteses de tijolos de barro, que prensavam com os pés, misturavam com palha e secavam com certa eficiência num forno. Em qualquer dos casos os ladrões entravam facilmente nas casas, afinal de contas se o dono soubesse de que hora eles viriam, vigiaria. Muito dos cidadãos saíam da cidade todas as manhãs para trabalhar nos campos, voltando ao cair da tarde: as portas eram então fechadas e sentinelas montavam guarda. Por muito tempo a diferença entre a vila e a cidade era que a última possuía um muro atrás do qual os camponeses das vilas vizinhas se escondiam em tempos de perigo.
Fora das portas desta pequena cidade ficava o espaço aberto para o mercado, sendo a justiça promulgada nesse local. Os homens também frequentavam o lugar quando precisavam contratar trabalhadores diaristas ou simplesmente desejavam conversar. A praça era sempre ruidosa, exceto no calor do dia ou tarde da noite, e as ruas principais da cidade também se faziam notar pelo ruído. Naquela manhã, porém, nas travessas, pátios, passagens, alamedas tudo estava calmo, calmo até demais.
- Harpas & Flautas -
Para onde foram todos? Questionava Shlomo, sem nada compreender. O barulho do silêncio chegava a lhe doer os ouvidos. [...]
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quinta-feira, 30 de agosto de 2018
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