Prefácio
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"O medo do desconhecido, a busca por sentido e o prazer da descoberta"
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"Esta é a história que eu peço à divina Musa que nos revele.
Comece-a, deusa, no ponto que for do seu agrado."
Homero, Odisseia
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Ao lidar com arquétipos este livro se propõe a satisfazer o anseio universal por sentido, e incorpora intencionalmente universos da experiência e emoção humanos que são atemporais - e familiares, pois refletem o nosso tecido emocional básico. Nesta obra os padrões arquetípicos transformam um evento caótico como o naufrágio de um navio num esquema coerente que coloca questões e oferece opiniões sobre como a vida poderia ser vivida.
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Prólogo
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A RESPEITO DO REI ANROD
Nota histórica, 1460 D.C.
O rei Anrod decidiu investir na construção de navios em Belmoor, uma cidade, construída numa pequena e rochosa ilha a cerca de 700 metros da costa Kairakin, no mar Rubro. Ele tinha uma frota de navios mercantes tripulados pelos melhores marinheiros cedidos pelo rei Baldric. A cada três anos, esses navios regressavam das terras do Sul trazendo grande quantidade de ouro, prata, marfim, além de animais exóticos como macacos e pavões.
Todas as taças usadas na corte do rei Anrod eram de ouro, bem como todos os utensílios do Palácio do Bosque. Ele mandou fazer ainda um grande trono de marfim revestido de ouro puro. Não havia nada de prata, pois a prata não tinha grande valor comercial nos seus dias.
O rei Anrod tornou-se o homem mais rico e mais sábio de todos os reis sobre a terra de Theabos.
Após sua morte, o príncipe Kain
e o Rei Baldric fizeram um acordo para construírem navios que fossem até Alard; os tais navios, capazes de vencer grandes mares, foram construídos em Belmoor, a fim de buscar ouro nas terras do sul, porém jamais o trouxeram, porquanto eles naufragavam na "espinha do gigante", empurrados por um misterioso vento oriental.
2
LAMENTAÇÕES DA PRINCESA ALERANA
Corte real em Kairak, 1465 D.C.
Palavra de revelação e advertência contra Kain: “Uivai de decepção, ó navios de Baldric! Eis que Belmoor jaz destruída e nada lhe restou, nem uma só casa, nem seu próprio porto. De Rayford, Tanbor chegou esta triste notícia.…"
"Uivai de decepcão, ó navios de Baldric! Uivai todos os que fizeram negócios contigo, por causa dos teus muitos e apreciados bens; seus negociantes trocavam prata, ferro, estanho e chumbo pelas tuas mercadorias".
Onde estão os homens de Darkan que também negociaram contigo, e as muitas regiões costeiras, teus clientes habituais? Porventura não pagavam suas compras com presas de marfim e madeira nobre de ébano?
"Derrubarei a casa de inverno juntamente com a casa de verão; as casas adornadas de marfim serão, igualmente, destruídas, e as mansões ficarão completamente arrasadas e desaparecerão!” Garante Sarya, a SENHORA das águas, enviando o vento oriental contra tudo o que parece comercialmente valioso e todo barco de luxo.
Que os reis de Kairak e das regiões litorâneas lhe paguem tributos; e os reis de Adevia lhe tragam presentes.
Pois em mim, diz a deusa, esperam as ilhas de todo o mundo, à frente vinham as embarcações mercantes, os navios de Baldric, trazendo de longe os seus filhos, com muita prata e ouro, em honra a Kain, o seu deus-rei, "o Santíssimo Kairakin", porquanto ele se revestiu de glória e esplendor! Mas eu estabeleci entre todos os povos um sinal e enviarei os que escaparem dali às nações, a Torlak, à Adalgrim, a Thaniel, povo exímio no uso do arco e flecha, a Admon, à Ingram, e às ilhas longínquas que ainda não ouviram falar do meu Nome e não viram a minha glória. Pois eles proclamarão o esplendor da minha glória entre as nações quando também Odisseu enfrentar o meu gigante.
3
A FUGA DE DEREK
Kairak, 1468 D.C.
Derek decidiu fugir da presença de Dorn Wingan, seu pai, e partiu na direção de Fallrock. Descendo para a cidade na ilha de Belmoor, encontrou um navio (o Odisseu) pronto à zarpar para "a jóia do sul", pagou a passagem e embarcou nele, a fim de ir para a sonhada cidade, tentando escapar da presença de seu algoz paterno.
4
SOBRE A RUÍNA DO ODISSEU
Nota histórica, 1468 D.C.
Quando o grande navio Odisseu, em sua viagem inaugural de Belmor a Fallrock, chocou-se contra "a espinha do gigante" , uma barreira de recifes, e afundou, na noite do 14° Dia do Mês da Semente, no ano de 1468 D.C., uma história de impacto emocional extraordinário começou a se formar. Notícias aterradoras voavam, com as asas escuras dos corvos, em todo o mundo de Theabos, informando que mais de trezentas pessoas, entre escravos e alguns nobres foragidos do golpe magocrata em Adevia, haviam "simplesmente" desaparecido, mais da metade das almas a bordo da supostamente insubmersível embarcação de "especiarias".
Em seguida, vieram as histórias individuais de covardia e coragem, arrogante egoísmo e nobre sacrifício.
As linhas se entrelaçam criando um grande épico que, com seus poderosos elementos de terror, tragédia e morte, foi contado repetidas vezes para as gerações que se seguiram na forma de livros, especialmente os pergaminhos, em obras " mudas" de pantomimeiros e em uma ou outra canção de bardo.
A Ruína Do Odisseu se tornou parte da cultura popular em Kairak, uma fonte permanente de fascínio, como O Domo, A Ponte, mas também de medo do desconhecido, especialmente dos cânticos fúnebres de ouro e prata, marfim, bugios e pavões.
5
A BORDO DO NOVO ALVORECER
Arquipélago da Macaronésia, dias atuais (1500 D.C.)
- Você costuma meditar a respeito de nossa mãe, Talfen? - Mismet perguntou.
- NÃO - Talfen respondeu sem vacilar.
Mismet Mesolavití e o príncipe Talfen Swiller estavam a bordo do "Novo Alvorecer", um navio pesado de classe encouraçado que nos dias atuais servia como nau-mor da frota de Brick Hindergrass, o recentemente eleito conselheiro-primaz do incipiente Novo Reino da Macaronésia. Encontravam-se numa cabine de reuniões próxima da ponte de comando da embarcação, na frente de uma ampla janela que revelava um pequeno ilhéu perto da grande ilha da montanha incandescente.
- Oh - Mismet falou. - Não sei como tocar no assunto, porém... pois bem, já se foram alguns meses desde que ela morreu e acredito que devemos falar sobre algumas coisas. Sei que você ainda está chateado por causa dela...
- ... Ter me torturado? -Talfen a interrompeu. - Torturado seu próprio filho! Ou estaria "chateado" por ela ter permanecido como mera expectadora, sem mexer um dedo arcano, enquanto o capitão Luth Ritter arrasava a ilha de Radella? Ou talvez por ela ter decepado a sua perna? Ou talvez por ela ter matado mais elfos do que poderíamos imaginar? Ele fez um gesto para o ilhéu e acrescentou:
- Você tem idéia de quantos bons marinheiros morreram em toda a Macaronésia por causa de "Kreel, a elfa negra"?
Mismet conhecia inúmeras coisas sobre os infelizes marujos aniquilados pela magia negra da mãe, contudo ficou em silêncio.
Enquanto Talfen observava o mar aberto, ele argumentou:
- Parece que, em todo lugar a que vamos, encontramos mais vítimas de Kreel, a feiticeira, mais e mais evidências de seus macabros serviços à "causa" imperial. - Ele sacudiu a cabeça. - Porque eu iria querer pensar naquela aberração sombria?
- Porque nossa mãe não foi unicamente Gastarg Kreel - Mismet falou - Ela também foi Cederin Mesolavití, uma "Maga". Eu já contei a você a respeito do que ocorreu no Farol da Escuridão em Ildroum, sobre como ela me salvou da imperatriz e...
- Como ela salvou você? - Talfen objetou - Mismet, se eu me recordo bem, Kreel entregou você à imperatriz. - Ele suspirou. - Irmanzinha, eu sei que você crê que Cederin Mesolavití regressou no fim, e se é assim que você prefere se lembrar dela, como uma mística heroína que usou seus poderes mágicos para derrotar a imperatriz, então isso é uma decisão sua. Mas você não pode esperar que eu faça a mesma coisa, menina ingênua, porque a minha mãe, a minha "verdadeira" mãe, era Neeza Swiller, a mulher que criou e que morreu em Radésia, graças ao Império.
- Perdoe, Talfen - Mismet falou. - Eu apenas pensei que...
- Você pensou errado, loirinha das orelhas pontudas - Talfen retorquiu. -Tenho coisas mais relevantes do que essas na minha cabeça. Caso não tenha tomado nota em seu "grimório", o Império não morreu com a imperatriz. Desconhecemos quantos Navios de Guerra ainda estão em operação. Capitão Raynard Brymam sitiou a capital Heldalel. Centenas de ilhéus e ilhotas carecem da nossa ajuda e você me vem com estórias de bruxas.
- Ele se afastou da janela - Agora, se me permite, eu tenho uma reunião de guerra para participar. Os marinheiros de alguns ilhéus macaronésios mais afastados, não é para menos, estão cautelosos com qualquer forasteiro, mas estou determinado a convencê-los de que aderir ao tratado do Novo Reino é a melhor defesa contra o Império. - Ele se virou e se dirigiu para a saída da cabine.
Sozinha, Mismet voltou a olhar para Radella. Ela visitara o ilhéu "desértico" antes. A não ser pelo pequeno vulcão, a criadora de peixes, lagostas e camarões, o achava muito semelhante a sua ilhas natal, Gellius.
Tanta coisa acontecera desde àquela noite chuvosa em que fugira de casa e partira, sem destino, do porto de Wilton, com Nizana Nirinath, a bordo do "Bruxa do Mar". Naquela época, seu maior desejo era se aventurar por outros reinos. Jamais imaginara que por acaso encontraria a mãe tida como morta, que descobriria que o príncipe Talfen era seu irmão ou que se converteria numa defensora do Tratado Revolucionário.
A despeito de suas conquistas e muitos bons aliados, Mismet sentia que algo estava faltando em sua vida , como se parte dela estivesse incompleta de alguma forma. O Império havia queimado quase todos os registros do Colégio de Magia Antiga, incluindo qualquer informação sobre Cederin Mesolavití, deixando Mismet com tantas questões sobre seus lugar no mundo...
Será mesmo que todas as outras Magas se foram?
Como posso ser uma boa Maga quando sei tão pouco sobre elas?
Será que posso evitar os erros da minha mãe? Ou será que estou fadada a repetí-los, um-a-um?
Ainda que Talfen não apresentasse o menor sinal de interesse, Mismet sentia que era relevante descobrir mais coisas sobre a vida de Cederin Mesolavití.
Como posso me conhecer se eu nunca realmente conheci minha mãe?
A elfa dourada não sabia se esse conhecimento lhe traria mais sabedoria ou satisfação. Tudo que sabia era que ainda se sentia sozinha e deslocada, do mesmo modo que se sentia quando era uma pequena garotinha, crescendo numa desolada "fazenda" de peixes, lagostas e camarões na vastidão oceânica de Gellius.
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